Arco-íris


Eu sangro lágrimas, amor; lágrimas rubras que você provocou com seus olhos verdes de cigano atrevido. E esse choro calado, aprisionado pela certeza de que os outros são indiferentes à infelicidade alheia, é uma das minhas declarações marejadas mais sinceras: é a pura constatação de que é insustentável viver em meio a sorrisos amarelos. 

Sinto falta das demonstrações cruas de afeto; esse gosto de domingo bem-passado já não me apetece mais. Toda essa podridão ao redor me deixa com hematomas internos e me asfixia lentamente (mas só o suficiente para dar tempo de afrouxar a mão invisível quando começa a faltar oxigênio no cérebro). É como se eu estivesse lutando por uma carta de alforria ilusória: minha liberdade vai até o muro acinzentado que eu mesma construí dentro de mim. 

Viver sem você é uma luta diária. Das cores, só me resta o sangue azul enegrecendo pouco a pouco o vermelho do coração. Você me deu câncer, amor, sendo que tudo o que eu queria era Alzheimer pra esquecer de vez essas lembranças rosas que deixaram minha boca com gosto de alcaçuz. 

O problema é que o alcaçuz passou do prazo de validade e agora me rasga os lábios roxos, assim como nosso resto de relacionamento passageiro. Azedou, amor. Sucumbimos ao desgaste que o tempo trouxe e não tivemos maturidade para lidar com os mínimos erros cotidianos, cujos alicerces se ergueram muito imponentemente para serem destruídos. 

Numa dessas tardes, não faz muito tempo, percebi que não nos falaríamos nunca mais. Colori suas fotos de marrom. Mas acabou que, num acesso de ausência e impotência, cheguei a colocá-las na janela pra ver se a chuva lavava e as deixava brancas de novo. Não deixou. Então parei de negar o fato que o orgulho tenta me esconder diariamente (e que, mesmo assim, eu insisto subconscientemente em reencontrar a todo instante): sinto sua falta. 

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