Sala de aula


Suas palavras me atingiram como raio: o choque foi tão profundo que me paralisou por completo. “Estou indo embora”, me informou pacientemente, como se explicasse uma lição difícil para um dos seus alunos. Mas eu já não estou na quinta série, amor, não adianta me encarar com esses olhos de puta regenerada e esperar comoção em troca. 

Você pareceu ter percebido minha perplexidade quieta e me lançou um daqueles sorrisos de pena enquanto esperava uma reação (que não veio, vale acrescentar). E eu fiquei ali, te observando fixamente mas na verdade completamente alheio à situação toda. Naquela época, achei que conter minha indignação perante suas explicações malfeitas (coisa de quem nem se importou em pensar direito pra elaborar uma justificativa decente mesmo) seria o sensato. Hoje vejo que não. Os revoltados é que têm sorte: prefiro a inquietação à apatia. É melhor ter o sangue fervendo na veia do que a indiferença crua que corrói o cotidiano sorumbático. 

Ouvi desculpas fúteis. Nos afastamos, brigamos muito, não servimos mais pra completar um ao outro. Você alega que nossas conversas se transformaram em silêncio, mas não te ensinaram que o silêncio transmite mais sentimentos que quaisquer palavras? Ou talvez até tenham, bem demais. E você, com essa ideologia de professora orgulhosa, leu as falas que eu não disse e as interpretou de maneira errada. Você falhou na prova, amor. Mas quem acabou repetindo de ano fui eu. 

Lembro de te observar apoiado no parapeito da janela e rezar pra que você desse meia volta e dissesse que eu podia continuar respirando, porque você continuava me amando. Incrível como gente solitária se apega a delírios mudos.

Hoje confesso que esse vazio já me enche muito. Não me entreguei ao completo abandono ainda porque suas memórias ocupam os poros pálidos que sua ausência abriu. Você podia ter feito o favor de levá-las consigo, não é? Diante de tudo, agora eu tenho a sensibilidade para compreender que nosso relacionamento foi desenhado com giz: espalhou mais pó do que escreveu por linhas retas. 

E eu ainda me debruço sobre a janela e me permito te enxergar voltando. O engraçado é que basta deixar o vento rasgar a pele pra que me venha uma súbita vontade de pular. Dia desses eu tomo coragem e a gente se encontra lá embaixo. 

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