Eu


Cantava porque queria, mas nem isso fazia bem. A vontade era de amar, mas não tinha vítima que sobrevivesse às exigências absurdas. Queria gritar, mas sem acordar o vizinho. Queria sangrar, mas não ia sobrar ninguém pra limpar a bagunça. Queria morrer, mas dava muito trabalho.

Então ela continuava daquele jeito: comum, fantasma, criança medrosa que se recusa a crescer. Virou flor morta diante do céu azul: de tanto querer ver o sol, acabou secando; de tanto querer se curar de uma doença inexistente, acabou se contaminando com doenças reais. Ainda chora ao ver a lua de longe, porque no fundo queria virar pó cósmico só pra ter um referencial pra orbitar. Queria ser bala pra provocar dor; queria ser bala pra trazer doçura. Queria ser câmera pra gravar o mundo, mas mexer em máquina era coisa de gente esperta.

Queria ter realizado todos os seus quereres, mas envelheceu. 

Postagens mais visitadas