Cotidiano

A escada era de concreto, dessas bem feias, com corrimão torto e uns buracos no piso. Tinham umas bitocas de cigarro do lado direito do primeiro degrau, mas isso eu só reparei porque senti que precisava abaixar a cabeça quando você olhou pra mim. Droga, droga, droga; aquele olhar de um segundo era a confirmação de todos os meus medos: você havia descoberto que eu só ia ali pra te ver passar, pra ver seus dentes amarelos sorrindo pro nada e as camisetas coloridas que não lhe serviam direito. 

O estranho era que eu não sabia exatamente como te conhecera (na banca de jornal da esquina do ponto do seu Zé, não foi isso?), até porque não conseguia lembrar de muito quando estava na sua presença. Não sabia nem seu nome, quem dirá como eu me sentia: não podia ser amor se a gente nunca tinha se falado, podia? Mas, se me acelerava o coração e me deixava com as pernas trêmulas, podia ser outra coisa?

Levantei a cabeça de novo pra te olhar. Você continuava me encarando, com o olhar escrachado que debochava de mim sem me dar chance de responder. Dessa vez não tinha jeito: minha curiosidade me obrigou a encarar de volta, porque eu queria mergulhar em você e dizer que já tinha imaginado nossa vida juntos, você só precisava me aceitar (não precisa se preocupar, não, eu não sou de falar muito e nem costumo me mexer à noite, você quase não vai perceber que eu estou na sua vida). Você sorriu, dessa vez não pro nada - pra mim. Eu, tão cheia de insegurança que queria derreter pra ser absorvida pelo chão, tão sua que doía pensar que eu não sabia nada sobre você. Nem idade, endereço, signo, telefone ou profissão. Você podia ser casado, gay, criminoso, não importava. O que eu sabia é que, naqueles segundos que a gente passou se analisando, você me leu por inteiro e me cativou como poucas pessoas haviam feito no decorrer da vida. Me abraçou sem se mexer, me esquentou sem me tocar, me arrepiou sem chegar perto. Me deixou nervosa, querendo gritar só pra ter motivo pra iniciar uma conversa curta.

O único problema foi que o momento acabou, como acabam todos: você apagou o cigarro que tinha na mão, virou de costas e começou a caminhar na direção contrária à minha. Levou um pedaço de mim junto, como fazia todas as vezes que eu te via. Era por isso que eu me sentia mais leve - você ia embora carregando meu peso junto com o seu. 

Esperei você desaparecer antes de sair dali (não queria você desconfiando que eu sabia que você ficava todas as quintas-feiras naquele lugar, por volta das 4 da tarde, imagina o que você pensaria de mim!), me perguntando como diabos eu sobreviveria sem te ver até a semana seguinte. 

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