É Katie, não Betty

Faz uns vinte dias seguidos que sonho com você. Que ódio. Quando eu estou acordada, consigo controlar meus pensamentos muito bem, obrigada, mas todo dia pra dormir é esse inferno agora. Justo eu, que sempre tive sonhos tão distantes da realidade - matei um dragão aqui, enfrentei soldados futuristas ali, mas nunca aprendi como lutar contra rostos conhecidos. 

Não pensa que me engana com esse sorrisinho manso, não. Só eu sei o que essa meia dúzia de dentinhos tortos já me fez passar. Lá vem você de novo com essas ironias bem construídas e essas explosões de raiva de cinco minutos, só pra atordoar meu sono e não me deixar enterrar as lembranças. Que ódio, que ódio! 

Toda noite é isso: olha lá você cometendo pela décima vez o mesmo erro de português que eu já corrigi. Olha lá você e eu gastando dinheiro com cartas que eu nem sei o que significam, com filmes que eu nem queria ver, com jogos demorados que eu odeio. Olha lá você me dando presente caro, me convencendo que eu sou incrível, me fazendo favor que eu não pedi. Que ódio, que ódio, que ódio. Olha lá eu falando pra mim mesma que vou ficar bem, enquanto você me encara com esses olhinhos que sabem quando eu minto. 

Sinceramente, eu nem sei mais onde enfiar tanto ódio. Que ódio desses sonhos ridículos e dessas memórias infantis. Que ódio de você procurando resposta pra tudo, do seu jeito irritante de terminar todas as coisas que escreve com ponto final, da sua mania de não me deixar estar certa nem por um minuto. Ódio das suas cicatrizes, da sua risada, das suas histórias e da sua barba mal feita. Ódio das suas roupas furadas. E de não poder pensar em você sem me tornar um clichê de música de boteco, porque toda vez que você aparece nos meus sonhos eu acordo com uma pontadinha latejada lá no fundo do coração. Que ódio. 

Mas o que eu odeio mais, odeio do fundo da alma, o que me faz querer arrancar a unha de tanto ódio, é o fato de sentir tanto a sua falta. 

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